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«Considero o Youtube um trabalho que me dá muita liberdade»

«Considero o Youtube um trabalho que me dá muita liberdade»

Jéssica Oliveira é uma youtuber brasileira, transexual, a viver na Maia. Alcançou a autonomia financeira como Youtuber. A sua transexualidade é natural e não interfere com o trabalho «Quando não dás tanta atenção de uma forma negativa à questão é como se as coisas se acalmassem», disse. Os maiatos «são simpáticos comigo».

Jéssica Oliveira tem 27 anos, transexual de origem brasileira, veio para Portugal há cerca de 5 anos com o ex-marido, hoje vive na freguesia de Pedrouços, na Maia. No ano de 2016, de modo a mostrar o seu gosto por colecionismo de brinquedos e bonecas, iniciou o seu canal do Youtube chamado “O Estranho Mundo de Jessy”. O que começou como algo focado para colecionadores, com o tempo, começou a atrair o público mais jovem. Atualmente o canal conta com mais de seiscentos mil subscritores e milhões de visualizações.

Em conversa exclusiva com o MaiaHoje, Jéssica fala-nos do seu canal Youtube, mas também sobre a sua vivência na sociedade maiata.

MAIA HOJE (MH): Como foram os seus primeiros anos na Maia?

JÉSSICA OLIVEIRA (JO): Os primeiros anos foram muito neutros, eu não andava muito pela Maia, só comecei a sair após um ano. Antes só saia para ir ao Porto, então não conhecia muito da cidade, mas sempre foi muito tranquilo, os vizinhos são simpáticos comigo.

MH: E o que acha dos cidadãos da Maia:

JO: A população da Maia para mim sempre foi muito recetiva, nunca foram maus comigo, são pessoas simples o que é ótimo. Na zona que eu moro, Pedrouços, tem uma grande comunidade de ciganos, mas também são tranquilos, acabam por ser bastante simpáticos, acho que os únicos problemas que tive na Maia foi em relação a assédio (disse a rir).

MH: Então já foi vítima de assédio na Maia?

JO: Sim, dentro de um supermercado um casal começou a discutir por que eu estava lá. Também acontece quando eu faço caminhadas, onde eu vivo não tem um lugar muito bom para caminhar, tem de ser onde passam carros, só que também sofro assédio por conta disso, das pessoas nos carros verem-me a caminhar…

MH: E como é trabalhar com o Youtube, tem alguma dificuldade?

JO: Bastantes, o Youtube é complicado, muitos pensam que é só publicar o vídeo e depois tudo acontece, o que não é verdade. É uma plataforma que está cada vez mais limitada pelas leis, proteção infantil e outras coisas. O Youtube entre quando comecei e agora, está muito diferente, há cada vez mais adversidades na plataforma, obrigando-nos a produzir conteúdos mais “family friendly” (familiares) e isso prejudica-nos em ganhos. Mesmo assim, considero como um trabalho que me dá muita liberdade, o que eu acho incrível. Posso estar de férias, gravar um vídeo e já estar a fazer conteúdo, então só tenho a agradecer, é algo que me dá hipóteses que outros não me deram, dar uma voz a muitos que não teriam a visibilidade que têm hoje.

MH: Qual é o seu objetivo com o canal?

JO: O meu objetivo com o canal hoje não é o mesmo do início, quando eu comecei era apenas uma maneira de mostrar as coisas de que eu gosto, depois percebi a representatividade que eu tinha no meio do Youtube, até porque eu não conheço outro canal de uma pessoa transexual a fazer este tipo de conteúdo. Há muitos canais de pessoas “trans” relacionados à transição, muito focado no sexual, então eu decidi mostrar que transexuais podem agir em qualquer área e que podemos trabalhar com aquilo que quisermos.

MH: Como é que as pessoas reagem ao ver uma pessoa transexual a fazer este conteúdo?

JO: A princípio eu recebia mais ódio, porque as pessoas perguntavam, por causa da minha voz, se eu era homem ou mulher, se era gay, drag queen, o que é que eu era, o que estava a acontecer e eu decidi manter um suspense no canal, para que as pessoas se questionassem e assim eu lançava um vídeo a explicar tudo. Na minha opinião, devemos ensinar que existem vários tipos de pessoas e que temos de respeitar todos, então eu pensei que seria uma ótima maneira de chegar ao público jovem, para que, no futuro, eles saibam lidar com todo o tipo de pessoas. Desde que o meu canal atingiu um certo nível de audiência, eu lidei com o assunto de uma forma mais positiva, tive de vencer todos os problemas de autoestima para poder ter um canal de Youtube, a questão de aparência, voz, porque é tudo uma desconstrução que temos com nós próprios, habituarmo-nos com a própria voz, ouvir críticas do nosso trabalho, Até o meu canal ser um sucesso, tive de passar por todo esse processo, o que foi muito importante. Quando comecei a lidar bem com os comentários, parece-me que eles passaram a lidar bem comigo, passei a agir de uma forma mais natural e as reações foram mais amenas. Quando não dás tanta atenção de uma forma negativa à questão é como se as coisas se acalmassem, mas até hoje aparece um comentário a perguntar se sou homem, mulher, gay, o que é ser “trans” e eu explico, de uma forma didática, para eles compreenderem.

MH: Então as pessoas começam a reagir de uma forma mais positiva?

JO: Hoje estão a reagir de uma forma mais natural por conta da representação que existe, o meu público maior é o brasileiro, e no Brasil já tem pessoas transexuais nos media. Acredito que as crianças portuguesas já não devem compreender tão facilmente, mas, apesar disso, creio que são bem observadoras, assistem e estão a aprender, não são tão críticas de um modo ofensivo. Por isso, tentei puxar o conteúdo do meu canal um pouco mais para o lado de Portugal, como falamos todos a mesma língua, e como os portugueses estão habituados a ouvir o português do brasil devido a vídeos, novelas e mais, achei uma boa ideia juntar esses dois públicos para a mesma ideia, que é mostrar uma pessoa transexual a agir naturalmente.

MH: Como é que funciona o sistema de remuneração do Youtube, de que maneira se sustenta?

JO: O Youtube funciona da seguinte maneira, cada vez que começa a publicidade no vídeo, eu estou a ganhar dinheiro, o valor é estipulado pela plataforma, é bem complexo explicar como funciona essa parte do cálculo do valor, mas funciona da seguinte maneira, quando assistes o anúncio por completo é um valor, se ignoras a propaganda é um valor mais pequeno e se clicares no link da propaganda, é um valor maior. Hoje, quem trabalha com Youtube, e que faz um certo sucesso, não se mantêm apenas com os anúncios, também fazem publicidade de fora, de coisas que estejam relacionadas com o conteúdo, então o lucro dos youtubers, ou a maior parte, vêm da publicidade que fazem a certas marcas nos seus vídeos, essas são as nossas principais fontes de rendimento.

MH: Costuma fazer muitas parcerias com empresas nos seus vídeos?

JO: Normalmente as empresas com que trabalho estão relacionadas com jogos, estamos agora com a parceria de uma empresa japonesa e, por muito incrível que pareça, eu nunca tive o apoio de uma nacional. Portugal sempre foi muito fechado para mim, como youtuber. Já recebi contratos do Brasil, mas realmente é uma dificuldade entrar em contacto com empresas portuguesas, inclusive, quando as empresas de fora me contratam para trabalhar, é para uma publicidade dentro de Portugal, mas não é de uma empresa daqui eu não sei porque é que o país é assim tão fechado em relação a oportunidades de marketing.

MH: E já agora, como transexual, já sofreu algum preconceito?

JO: Sim, especialmente em relacionamentos, porque, e isto é um exemplo, namorar com um homem português e conhecer a família dele, o homem não tinha preconceito, mas os parentes têm e começam a inventar coisas que não são verdade, inventam defeitos, mas o principal é de ser transexual e mentiam sobre mim, tudo para justificar o seu preconceito.

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