Última Hora

«Perdemos tempo com coisas que importam pouco, quando há coisas tão maiores que nós…»

«Perdemos tempo com coisas que importam pouco, quando há coisas tão maiores que nós…»

Bruna Costa tem apenas 20 anos procura apoio dos maiatos no “BDOlive Portugal”. Numa entrevista ao Maia Hoje, a maiata abriu a “Janela para o mundo”.

Bruna Costa é uma “Street Artist” de 20 anos que reside na Maia. Em 2015 passou pelo “The Voice” e agora é semi-finalista do “BDOlive Portugal”, competição este ano exclusivamente online, que teve início em terras de Vera Cruz e pela primeira vez está a ser disputada em Portugal. Ponto de partida para uma interessante entrevista sobre a própria e o estado das Artes em tempos de Covid.

Maia Hoje (MH): Como se define a Bruna?
Bruna Costa (BC):
Sou alguém que enquanto artista, e também enquanto pessoa, procura desde sempre o seu lugar no mundo, a marca que quer deixar nele, a mensagem que quer transmitir. Sou uma eterna apaixonada pelo mundo das Artes. Não conheço outra forma de existir e de me expressar que não seja a arte, qualquer seja a sua forma. Do teatro ao cinema, da música ao movimento, dos palcos às câmaras, dos textos aos desenhos – não encontro em mais lado algum um lugar melhor onde me possa encontrar. Considero-me uma pessoa curiosa, inquieta, cheia de dúvidas e de vontades. Acima de tudo, apaixonada por aquilo que faço e quero fazer e disponível a ver e ouvir aquilo que o mundo me quer dizer – ou que quer que eu diga. Estou constantemente à procura de coisas novas, de inquietações, de perguntas e, consequentemente, de respostas. Além de tudo isto, sou simplesmente uma rapariga de 20 anos, muito ligada à família e aos amigos, muito sonhadora e com muito a dizer.

MH: Como e quando surgiu a paixão pela música?
BC:
Acho que a minha paixão pela música já nasceu comigo. A minha mãe diz que quando eu era bebé já adormecia a cantarolar. O maior responsável do meu amor à música, sem dúvida, será o meu pai. Ele teve uma banda quando era mais novo, então a música sempre foi uma coisa muito presente cá em casa. Com 5/6 anos comecei a cantar em bares de karaoke. Fazia duetos com o meu pai e lembro-me de adorar a sensação que cantar para as pessoas me transmitia. A partir daí, a minha paixão foi sempre amadurecendo e crescendo com o tempo, à medida que fui conhecendo coisas novas. A série “Glee” foi também uma das grandes culpadas para eu começar a ver um caminho tanto na Música como no Teatro e na Televisão como uma possibilidade para o meu futuro. Foi graças à série que quis aprender a tocar guitarra e que integrei um grupo de Teatro amador e mais tarde um grupo de Teatro Musical. Acabei por seguir este percurso profissionalmente, tirando o curso de Interpretação na ACE – Escola de Artes, onde terminei a minha formação em Teatro no ano de 2019. Umas coisas foram sempre levando às outras.

MH: Apenas com uma guitarra e uma voz já cantou e encantou em muitos locais. Quer partilhar com os nossos leitores quais os mais marcantes?
BC:
Tenho definitivamente que marcar o palco principal das Festas da Nossa Senhora do Bom Despacho como o mais impactante para mim. Tive a oportunidade de actuar por dois anos seguidos, no maior palco das festas da minha própria cidade. No segundo ano, fui a artista convidada a abrir o concerto dos DAMA, o que me permitiu actuar para a maior plateia da minha carreira. Foi marcante pelo facto de estar na minha cidade e poder reconhecer algumas caras no meio do público e muito emocionante, por ver milhares de pessoas à minha frente a cantar comigo e a acender as lanternas dos telemóveis. Quero ainda destacar o palco do The Voice Portugal, pela experiência incrível que me proporcionou e porque foi um momento de viragem para mim, no sentido em que me fez ter a certeza de que queria seguir um caminho artístico profissionalmente. Além disso, o meu palco favorito tem sido sem dúvida a rua, que acaba por ser o menor e o maior palco do mundo, simultaneamente. Consigo passar o meu trabalho para um número inacreditável de pessoas, de todos os cantos do mundo e as suas reações e comentários são sempre muito marcantes para mim.

MH: Como descreve a sua participação no The Voice em 2015? Poderíamos esperar uma nova participação?
BC:
A minha participação no The Voice foi um ponto extremamente marcante para mim. Eu estava a dar os meus primeiros passos mais profissionais no mundo da música nesse ano, por isso só o facto de ter conseguido passar o pré-casting e ir às provas cegas foi incrível. Depois, passar na prova cega e ver a Áurea, uma das artistas que mais admiro no nosso país, a virar a cadeira foi inacreditável. Foi uma experiência muito bonita para mim e ainda hoje levo pessoas que lá conheci como amigos para a vida. Acima de tudo, a minha participação no programa foi o impulso que eu precisava para me atirar ao meu sonho e continuar a trabalhar cada vez mais para conseguir alcançá-lo. Foi muito graças ao The Voice que eu decidi sair do curso de Ciências em que estava no secundário e ir profissionalizar-me numa área artística, Interpretação. Sobre voltar a participar, nunca se sabe! Não é algo que ponho de fora dos meus planos.

MH: Se tivesse que eleger três ou quatro momentos marcantes da sua carreira até ao momento, quais elegeria?
BC:
Destaco, sem dúvida, os concertos nas Festas da Maia e a minha participação no The Voice Portugal, pelos motivos que enumero em cima. Além disso, talvez destaque o “busking” como um ponto muito especial para mim. Tocar nas ruas do Porto, uma cidade que me é tão especial e de que gosto tanto, para dezenas, por vezes centenas, de pessoas que passam por mim diariamente, de vários cantos do mundo, tem sido algo muito importante no meu crescimento e aprendizagem. A bagagem que trago por tocar na rua não se compara a nada que fiz até agora. Cada interação que tenho com as pessoas que comigo se cruzam, seja ela uma troca de palavras ou um simples olhar, são coisas que guardo, tanto a nível pessoal e profissional e, nesse sentido, tem sido uma escola excelente para mim, tanto como artista como enquanto pessoa.

MH: O que motivou a sua participação no BDO Live Portugal?
BC:
Fiquei a saber do Festival a partir de uns amigos, justamente na altura em que foi decretado o novo confinamento. Considerando que ia estar mais uns tempos sem poder trabalhar normalmente, pareceu-me uma oportunidade excelente para arriscar e colocar alguns temas originais à prova. A minha maior motivação foi sem dúvida poder expor o meu trabalho a ainda mais pessoas, pelo mundo inteiro, uma vez que o festival é online e isso nos dá uma possibilidade de atingir uma exposição incrível, e ainda ao painel de jurados, composto por imensos artistas, produtores, músicos, etc. que têm muitos anos de estrada e experiência na área.

MH: Com vários originais, a escolha da música para o concurso recaiu sobre a “Janela para o Mundo”. Porquê?
BC:
Eu concorri com duas canções minhas, a “Até Já” e a “Janela para o Mundo” e o Festival acabou por escolher a segunda. Fiquei extremamente contente porque era mesmo com essa que eu gostava de participar. É uma das canções que eu fiz cujo resultado final me agradou mais e penso que a música encaixa muito bem nos tempos que vivemos.

MH: Em que é que se inspirou para compor a música “Janela para o Mundo”, que a levou até à semifinal do BDO Live Portugal?
BC:
Escrevi a canção numa tarde do primeiro confinamento, ainda em 2020, uma ou duas semanas depois de estarmos fechados em casa. Literalmente, peguei na guitarra e comecei a cantar o que me ia no coração, fui apontando as ideias que me faziam mais sentido e terminei o poema nesse mesmo dia. Depois, foi só dar uma afinação nas melodias e estruturar melhor a música. Costumo dizer que uso a arte para me expressar da forma mais genuína possível e a “Janela para o Mundo” surge como uma reflexão minha daquilo que se estava a passar no mundo lá fora e com cada um de nós. A letra da canção acabou por reflectir tudo o que me inquietava naquele momento. Tenho muitas vezes a sensação de que perdemos tempo com coisas que importam pouco, quando há coisas tão maiores que nós. A natureza, o curso natural do mundo, do tempo… E, às vezes, temos esta forma egocêntrica e egoísta de viver e um certo complexo de superioridade a tudo e a todos e, de repente, acabamos por ficar todos presos em casa, por causa de algo que não conseguimos sequer ver ou tocar. Acabamos por ficar unidos, de alguma forma, porque estamos todos trancados, preocupados com a situação e revoltados. Mas lá fora, vimos o mundo regenerar de alguma forma. E isso a mim fez-me reflectir sobre o quão pequeninos somos aqui, porém no grande impacto que todas as nossas ações têm, tanto em nós, como nos outros, como no próprio mundo. E acho que esta ideia de impacto e de proporção de tamanho podem ser metáforas para muita coisa, para muitas ideias e lutas minhas.

MH: “Sabes nós somos só mais um no meio do mundo” é uma frase retirada desta música. Quer explicar-nos o significado?
BC:
Acho que essa frase foi escrita de forma bastante literal. Como refiro em cima, vem de uma reflexão a este nosso complexo de superioridade humana e à individualidade que todos imprimimos no mundo, consciente ou inconscientemente, quando na verdade nós somos todos apenas “mais um”. Todas as pessoas à nossa volta são “mais uma”, no sentido em que todas têm a sua importância, função, impacto em tudo o que nos rodeia, quer nas nossas relações sociais, políticas e até com o próprio mundo.

MH: Acredita que quem lê as letras das músicas da autoria de Bruna Costa fica a conhecê-la?
BC:
No caso dos meus temas em português, por enquanto, tanto a “Até Já” como a “Janela para o Mundo” partem de um impulso genuíno que eu tive de colocar os meus pensamentos em música. A “Até Já” fala de uma fase algo específica da minha vida, no momento que terminei o meu curso profissional, sendo ao mesmo tempo bastante abrangente à forma que eu tento ver e levar a vida. A “Janela para o Mundo” foi efectivamente uma necessidade que eu tive de dizer algo, de colocar um pensamento em música. Mesmo que alguns temas meus, no caso das minhas canções em inglês, não partam propriamente de histórias que eu vivi, partem sempre do meu imaginário, por isso acredito que reflito nas minhas canções aquilo que sou ou que penso, aquilo que faço ou gostava (ou não) de fazer, aquilo que quero dizer ao mundo. Por isso sim, acho que me ficam a conhecer, de alguma maneira.

MH: Como recebeu a notícia de que seria uma das semifinalistas da BDO Live Portugal?
BC:
Foi uma notícia que me deixou extremamente feliz e entusiasmada. Ter sido a artista mais votada da semana veio dar-me muita motivação para continuar, uma vez que revela que tenho um número significativo de pessoas a acompanhar o que faço e que de facto gostam do que ouvem e vêm. Foi também muito gratificante por ter sido uma certa recompensa do trabalho que tenho vindo a desenvolver. Agora estou ansiosa pela fase que vem a seguir e por ouvir o feedback dos jurados na semifinal.

MH: Como é representar Portugal, mais concretamente a Maia, num festival que tem origem no Brasil?
BC:
Sem dúvida que me sinto bastante orgulhosa por ter sido a primeira semifinalista portuguesa no Festival. Esta mistura de culturas e de raízes só me vai tornar ainda mais completa nas minhas referências e nas ideias futuras, por isso estou muito agradecida por estar no meio de tantos artistas incríveis, maioritariamente brasileiros ou de ascendência brasileira, uma vez que admiro mesmo muito a arte do Brasil, nomeadamente na área da música. É um país que, culturalmente, me diz bastante e, por isso, fico contente por estar a representar o meu país, lado a lado com uma cultura de que gosto tanto. Representar a Maia, será sempre um pontinho presente na minha carreira, uma vez que foi o local onde sempre vivi e cresci e onde dei os meus primeiros passos, tanto na música como no teatro.

MH: A uns passos de poder tornar-se a grande finalista do concurso, quais são as expectativas?
BC:
Eu sou uma pessoa que muito facilmente ganha expectativas, então tento sempre afastar-me dessa ideia. Gosto de ser realista, ainda que me considere extremamente sonhadora. Por isso, prefiro dizer que sonho com tornar-me uma das finalistas do concurso. E sonho, claro. Apesar de não ter entrado no concurso (nem em nada na minha vida até agora) com o objectivo de ganhar. Gosto de me por à prova e de aproveitar as oportunidades que tenho para expor o meu trabalho e esse sempre foi o meu objectivo com a minha inscrição no Festival – receber feedback de profissionais da área, conhecer outros artistas e levar a minha música o mais longe possível. Se for uma das finalistas vou ficar muito contente, claro! Mas quero, acima de tudo, que as pessoas que me ouvem gostem do que ouvem e que queiram ouvir de novo e ouvir mais coisas e partilhar com as pessoas à sua volta.

MH: Acredita que este formato de competições, que se traduzem numa adaptação ao contexto pandémico atual, veio para ficar e poderá ser o futuro? Na sua opinião que vantagens e desvantagens poderá trazer?
BC:
Acredito que muita coisa vai mudar daqui para a frente. Isso assusta-me e, por outro lado, deixa-me curiosa e ansiosa por saber o que vem aí. Acho que a internet e as redes sociais se têm tornado, cada vez mais, uma ferramenta indispensável aos artistas, uma vez que o nosso trabalho vive muito de divulgação. Acredito que este formato de competições, assim como os concertos em live-streaming poderão, cada vez mais, tornar-se algo presente na nossa realidade. Os avanços tecnológicos dos últimos anos permitem isso. Tem a grande vantagem de ser uma plataforma universal e imediata, pelo que podermos estar a ser vistos ou ouvidos em qualquer canto do mundo. Por outro lado, acho que a arte vive de partilha e essa partilha claramente não é feita da mesma forma através de um dispositivo eletrónico ou numa relação palco-plateia. Sinto falta de ter público à minha frente, de conseguir perceber reações a partir de coisas tão simples e humanas como olhares e respirações e acho que os artistas não viverão da mesma forma enquanto não tiverem isso de volta.

MH: 2020 foi um ano marcante. 2021 iniciou, seguindo as mesmas pisadas. Não só Portugal, mas todo o mundo vive dias atribulados devido à Covid-19, nomeadamente os músicos. O que espera para este ano?
BC:
Dias atribulados e marcantes para todo o mundo e para todas as áreas, claramente. Porém tenho que ressalvar que a área artística já vivia de forma extremamente precária no nosso país – estamos habituados à falta de respostas, de apoios das entidades superiores, de estruturas ou legislações que garantam o bom funcionamento e a dignificação do nosso trabalho, como existem para uma série de outras profissões. Não estou a querer dizer que somos os coitadinhos e que não existem estes problemas noutras áreas, mas, efectivamente, há um problema grave com a “saúde” da Cultura no nosso país. Se antes da pandemia as nossas condições de trabalho não eram as melhores, o que diremos agora. Provamos ser possível a existência de eventos culturais após o primeiro confinamento, com todas as regras de segurança possíveis e imaginadas, e, ainda assim, ao fim de um ano de pandemia, ainda somos um dos últimos sectores a poder reabrir e continuar o seu trabalho, como se não tivéssemos todos também contas para pagar, vidas para sustentar. Esta ausência de respostas só agrava a instabilidade do nosso sector, que já pouco tinha onde se agarrar. Sobre aquilo que espero para este ano…. Espero que o governo nos queira ajudar e nos traga soluções e não promessas. Espero que eu e os meus colegas possamos voltar aos palcos, tanto na música como no teatro, como em qualquer outra área artística. Espero também que as pessoas continuem a reflectir o que andam aqui a fazer e a forma como nos tratamos todos, uns aos outros. Pessoalmente, espero poder fazer o meu trabalho, tanto nos palcos, como na rua, como no estúdio, tanto sozinha como com a minha banda, tanto na música como no teatro. Espero terminar o meu EP, que queria lançar ainda este ano. Espero continuar a chegar cada vez mais longe com a minha arte e que possa cruzar-me com cada vez mais pessoas e lugares, que continuem a marcar o meu percurso e a enriquecer-me, enquanto pessoa e artista. Ah! E espero que esta pandemia desapareça de uma vez por todas!

Foto: DR Cristina Almeida

Compartilhar este post

Comentários (1)

  • marcos Responder

    Muito bom e útil este site.
    Gostei muito!
    Parabéns!

    25 de Março, 2021 a 13:11

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *