O BE e o Senhorio Diabo
O BE quer trazer, mais uma vez, o arrendamento para o centro do debate.
Porém, apesar da forma ser a correta (Projeto de Lei n.º 538/XVI/1.ª), o conteúdo, uma vez mais, faz transparecer desconhecimento pelo atual regime legal do arrendamento e pelo direito adjetivo.
Quando um arrendatário não tem contrato de arrendamento escrito, pode comprovar a existência de tal contrato por qualquer forma admitida em direito, desde que demonstre a utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da renda por um período mínimo de seis meses.
Agora, e uma vez mais, com a imagem do senhorio como o diabo, parte de afirmações falaciosas de que os senhorios ameaçam os inquilinos com aumentos de renda se estes reivindicarem ter um contrato escrito.
São afirmações populistas como esta, sem qualquer demonstração de realidade, que alimentam discussões inúteis, obrigando os 230 deputados da nação perderem tempo, numa abordagem que mais não é o reflexo de quem ignora, ou pretende ignorar, que a lei adjetiva (código de processo civil) contempla desde sempre mecanismos de defesa para qualquer arrendatário que pretenda ver reconhecido o seu contrato de arrendamento.
A intenção é tão atrevida, para não lhe chamar despropositada, que pretende que qualquer procedimento de despejo instaurado contra quem, por exemplo, não paga renda há meses e meses, ou contra quem destruiu o local arrendado, ou ainda contra quem dá ao locado um fim ilícito (só para citar alguns exemplos), seja suspenso se o inquilino decidir, através de um mecanismo procedimental, sem qualquer base de facto ou de direito, alegar que pretende um contrato escrito e alegar (mesmo que invente) que não o tem por culpa do senhorio.
O diploma confunde ainda ação de despejo com procedimento especial de despejo, tal é a ânsia de aniquilar o tal diabo.
Cremos que o diploma será rejeitado na generalidade, para bem de todos, nomeadamente para bem dos senhorios e dos arrendatários. É que num encontro de vontades como é um contrato (seja qual for a sua forma) não há anjos nem diabos, mas apenas duas partes que, tendo interesses recíprocos, têm também obrigações recíprocas.
Márcia Passos
marcia.passos@pra.pt
Advogada, Docente do ensino superior
Sócia e Coordenadora Imobiliário Porto – PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, SP, RL
Deputada à Assembleia da República nas XIV e XV Legislaturas
Coordenadora pedagógica Jodiforma, Lda
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